A preocupação com a possibilidade de perda de visão associada ao uso do semaglutido (Ozempic), um fármaco amplamente utilizado no tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade, tem ganho destaque nos últimos tempos, suscitando um debate intenso na comunidade médica e entre os doentes. Estudos recentes sugerem uma relação com uma condição ocular grave, conhecida por neuropatia isquémica anterior não arterítica do nervo óptico (NAION), embora a evidência ainda não seja conclusiva.
Algumas investigações iniciais sugeriram que quem toma semaglutido pode enfrentar risco quatro vezes superior de desenvolver NAION. Esta condição rara e potencialmente incapacitante resulta de uma insuficiente irrigação sanguínea no nervo ótico e pode provocar perda súbita e irreversível da visão num olho. Noutros casos, especialmente em tratamentos para obesidade, esse risco foi estimado em até sete vezes mais elevado do que com outros medicamentos. No entanto, os especialistas alertam para o facto de o número absoluto de ocorrências ser muito baixo e de não existir uma ligação causal confirmada.
Outros estudos, incluindo uma análise realizada com base em dados da agência reguladora dos medicamentos nos Estados Unidos, indicaram que os relatórios de problemas visuais, como nefropatia e retinopatia, foram mais frequentes entre utilizadores de semaglutido em comparação com várias alternativas terapêuticas. Este padrão sugere que, mesmo não sendo comum, o semaglutido pode revelar um perfil de risco ligeiramente superior em matéria de visão.
Em contrapartida, uma investigação publicada recentemente na revista JAMA Ophthalmology concluiu que não houve aumento do risco de retinopatia diabética ou de outras doenças oculares com o uso de semaglutido. Apesar disso, a mesma pesquisa continuou a apontar para uma possível associação com a neuropatia isquémica anterior não arterítica, mas salientou que, de momento, não há provas sólidas para estabelecer uma ligação definitiva.
Em junho de 2025, a Agência Europeia de Medicamentos reconheceu a NAION como um efeito secundário muito raro da semaglutido, estimando que pode afetar até uma em cada dez mil pessoas que utilizam o fármaco durante um ano. Esta decisão levou à atualização das informações dos medicamentos para advertir para este risco, ainda que a agência tenha realçado que os benefícios continuam a superar os riscos na avaliação geral.
A Organização Mundial da Saúde também emitiu um alerta, recomendando aos profissionais de saúde que prestem especial atenção a qualquer perda visual súbita durante o tratamento e que considerem a suspensão da semaglutido em casos confirmados de NAION. Apesar da raridade desta complicação, o seu impacto grave na visão obriga a que seja tratada com seriedade.
Os mecanismos que poderão explicar esta associação permanecem por esclarecer. Uma hipótese aponta para alterações na perfusão do nervo ótico, possivelmente agravadas pela ação metabólica do fármaco ou pela sua capacidade de ativar o sistema nervoso simpático, o que poderia comprometer o fluxo sanguíneo local. Outra possibilidade decorre das mudanças rápidas nos níveis de glicose no sangue, que podem afetar a estrutura dos olhos e exacerbar condições existentes, como retinopatia diabética.
Em termos práticos, os especialistas recomendam que os doentes que utilizam semaglutido estejam atentos a qualquer alteração súbita na visão, como visão turva, pontos escuros ou alteração na perceção de cores, e devem procurar avaliação médica imediata caso surjam esses sintomas. Ainda assim, alertam que não se deve interromper o tratamento por si só, especialmente sem acompanhamento clínico, pois o semaglutido continua a desempenhar um papel importante no controlo metabólico e na gestão da obesidade.
Em resumo, apesar de haver sinais de que o semaglutido pode estar associado a um risco muito baixo de condições oculares graves, a maioria das pessoas beneficia deste medicamento sem adversidades visuais. A monitorização médica contínua e a vigilância ativa são, por enquanto, as melhores estratégias para equilibrar os benefícios terapêuticos com a segurança visual.