A ocorrência de cancro colorretal e de outros tumores do sistema gastrointestinal em pessoas com menos de cinquenta anos tem vindo a aumentar de forma significativa nas últimas décadas, o que tem levantado preocupações entre investigadores e profissionais de saúde. Tradicionalmente associados a idades mais avançadas, estes tipos de cancro estão a surgir em adultos cada vez mais jovens, alterando o paradigma da oncologia gastrointestinal.
Dados recentes revelam que, entre 2010 e 2019, houve um crescimento de quase quinze por cento nos diagnósticos de cancros gastrointestinais em pessoas com menos de cinquenta anos. Esta tendência é particularmente notória em tipos de cancro como o do cólon, do reto, do pâncreas, do estômago e do esófago. Um dado particularmente alarmante mostra que os indivíduos nascidos em 1990 têm o dobro do risco de desenvolver cancro do cólon e quatro vezes mais probabilidades de desenvolver cancro do reto do que aqueles nascidos em 1950.
Este fenómeno não se deve a uma nova forma de cancro, mas antes à identificação crescente de casos que, no passado, seriam considerados extremamente raros em idades jovens. A maioria dos investigadores aponta para causas multifatoriais, combinando hábitos de vida, alterações biológicas e fatores ambientais que moldaram o desenvolvimento destas gerações.
Entre os fatores de risco mais mencionados estão a obesidade precoce, uma alimentação deficiente em nutrientes e rica em alimentos ultraprocessados, o sedentarismo, o consumo elevado de bebidas alcoólicas e carne processada, o tabagismo e doenças metabólicas. Todos estes elementos podem contribuir para alterações no funcionamento intestinal e para o desenvolvimento de um ambiente propício ao surgimento de células anómalas.
Um aspeto cada vez mais estudado é o papel da microbiota intestinal. O intestino humano alberga biliões de bactérias que desempenham funções cruciais na digestão, no metabolismo e na regulação imunitária. Quando existe um desequilíbrio nessa flora intestinal, especialmente desde idades precoces, podem formar-se condições inflamatórias que alteram o microambiente intestinal, favorecendo o aparecimento de mutações e o crescimento de células malignas. Certas estirpes de bactérias produzem toxinas que danificam o ADN celular e, com o tempo, essas mutações podem dar origem a tumores.
Paralelamente, dietas pobres em fibras e ricas em açúcares, gorduras saturadas e aditivos alimentares diminuem a diversidade microbiana e reduzem os mecanismos de defesa naturais do organismo. Este cenário agrava-se quando há histórico de utilização excessiva de antibióticos ou uma exposição constante a fatores ambientais adversos.
Contrariamente ao que se poderia pensar, a maior parte dos casos de cancro gastrointestinal em jovens não está associada a síndromes genéticas conhecidas. Menos de vinte por cento dos casos diagnosticados em adultos jovens têm origem em mutações hereditárias. Isto confirma a crescente importância dos fatores ambientais e comportamentais na origem desta realidade.
O diagnóstico precoce continua a ser um desafio. Muitos jovens não são avaliados com base em suspeitas oncológicas quando apresentam sintomas como alterações intestinais persistentes, sangue nas fezes, dores abdominais, cansaço prolongado ou perda de peso inexplicável. Essa subvalorização dos sinais pode levar a um diagnóstico tardio, frequentemente numa fase mais avançada da doença, exigindo tratamentos mais agressivos e com maior impacto físico, emocional e económico.
As implicações sociais e emocionais do diagnóstico de cancro em idades jovens são significativas. Para além do impacto físico da doença e dos tratamentos, há preocupações com a fertilidade, imagem corporal, continuidade da carreira profissional e sustentabilidade financeira. O apoio psicológico e social torna-se, por isso, um pilar fundamental no acompanhamento destes doentes.
Em resposta ao aumento de casos, várias autoridades de saúde pública em diferentes países já começaram a rever as recomendações de rastreio. Em algumas regiões, a idade recomendada para a realização de colonoscopias foi reduzida para os quarenta e cinco anos em pessoas de risco intermédio. Esta medida visa detetar lesões pré-cancerígenas em fases mais precoces e impedir a progressão para formas mais graves da doença.
No entanto, o rastreio precoce não é suficiente por si só. Os especialistas reforçam a importância de mudanças no estilo de vida para reduzir o risco de desenvolvimento de cancro gastrointestinal. A adoção de uma alimentação equilibrada, rica em fibras, vegetais, frutas, leguminosas, cereais integrais e proteínas magras, e pobre em carne vermelha e processada, açúcares e gorduras, é essencial. A prática regular de exercício físico, a cessação tabágica, a moderação no consumo de álcool e uma boa gestão do sono e do stress são igualmente estratégias preventivas eficazes.
Outro ponto a ter em consideração é a sensibilização da população para os sintomas de alerta e para a importância da vigilância médica regular, mesmo em idades consideradas jovens. Um diagnóstico precoce pode fazer a diferença entre um tratamento eficaz e uma doença com prognóstico mais reservado.
Os investigadores continuam a estudar o fenómeno para compreender melhor os mecanismos subjacentes a este aumento. A ciência aponta para uma complexa interação entre genética, microbiota, ambiente e comportamento. A identificação de marcadores biológicos que possam prever o risco de desenvolvimento precoce destes cancros poderá, no futuro, permitir estratégias de prevenção mais personalizadas.
Em conclusão, o aumento de casos de cancro gastrointestinal em adultos jovens reflete uma realidade preocupante que resulta de múltiplos fatores interligados. Mais do que uma anomalia estatística, trata-se de um alerta para a necessidade urgente de mudança nos hábitos de vida, maior atenção aos sinais clínicos, rastreio mais precoce e uma resposta de saúde pública coordenada. Só com um esforço coletivo será possível inverter esta tendência e garantir que a juventude deixe de estar associada a um risco crescente de doenças oncológicas graves.