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Maturidade cerebral só depois dos 30

Maturidade cerebral só depois dos 30

12 de Dezembro de 2025

Durante décadas, a biologia humana, a psicologia do desenvolvimento e as convenções sociais operaram sob um pressuposto fundamentalmente rígido de que a idade adulta, tanto em termos neurológicos como comportamentais, era alcançada no final da adolescência ou, no limite, no início da casa dos vinte anos. Esta visão tradicional ditava que, ao atingirmos a maioridade legal, o nosso órgão mais complexo já teria concluído a sua arquitetura fundamental, restando-lhe apenas um lento e inevitável declínio ao longo das décadas subsequentes. No entanto, um estudo recente e absolutamente transformador, conduzido por uma equipa de investigadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido e publicado nas páginas da prestigiada revista científica Nature Communications, veio desafiar profundamente estas noções enraizadas, propondo uma reescrita completa da cronologia da vida humana. As novas descobertas, baseadas numa análise sem precedentes da conectividade cerebral, sugerem que o cérebro humano não atinge a sua verdadeira maturidade ou o estatuto de "adulto" até ultrapassar a barreira dos 30 anos, estendendo a fase de desenvolvimento que conhecemos como adolescência muito para além do que se imaginava.

Esta revelação científica não se trata apenas de uma curiosidade académica ou de um ajuste técnico em livros de biologia, ela possui o potencial de redefinir a compreensão das fases da existência, com implicações vastas que vão desde o tratamento clínico de doenças mentais graves até à prática delicada da neurocirurgia, passando pela forma como a sociedade encara a educação e a responsabilidade penal dos jovens adultos. O estudo propõe que o desenvolvimento cerebral ocorre através de cinco fases distintas, ou épocas, ao longo da vida, sendo que a fase de maior plasticidade e eficiência, tradicionalmente confinada aos anos da adolescência escolar, estende-se, surpreendentemente, dos 9 até aos 32 anos de idade. Para chegar a estas conclusões, a investigação baseou-se numa análise exaustiva e meticulosa de exames de imagem cerebral, especificamente utilizando a técnica de imagem de difusão, que é uma modalidade avançada de ressonância magnética capaz de visualizar a microestrutura da substância branca do cérebro e mapear as "estradas" por onde viaja a informação neuronal. A amostra utilizada foi robusta e abrangente, envolvendo 4216 indivíduos com idades compreendidas entre a primeira infância e os 90 anos, permitindo uma visão panorâmica e contínua do envelhecimento neurológico.

Ao mapear as mudanças subtis na organização e na elasticidade do cérebro, ou seja, a sua capacidade contínua de se reorganizar criando novas conexões sinápticas neurais conforme a necessidade, os cientistas conseguiram identificar padrões claros que contradizem a visão linear de um crescimento rápido até aos 20 anos seguido de estagnação. Os dados revelaram uma trajetória pontuada por quatro momentos de viragem cruciais, que ocorrem aproximadamente aos 9, 32, 66 e 83 anos de idade. Estas balizas temporais dividem a vida do cérebro humano em cinco épocas fundamentais, cada uma caracterizada por propriedades únicas de reorganização, estabilidade e eficiência, desenhando um novo mapa da experiência humana. A primeira destas fases, a infância, que decorre do nascimento até aos 9 anos, é descrita como um período de explosão criativa e de um certo caos controlado. Durante estes primeiros anos, o cérebro comporta-se como uma máquina de aprendizagem frenética e insaciável. Ocorre um crescimento rápido de tecido e conexões, mas, paradoxalmente, não é um tempo de grande eficiência funcional. O cérebro está continuamente num processo agressivo de poda sináptica, onde as conexões criadas de forma algo aleatória durante as primeiras e intensas experiências de aprendizagem, desaprendizagem e reaprendizagem são testadas e, muitas vezes, eliminadas. É um verdadeiro estaleiro de obras em atividade constante, onde a quantidade de conexões supera largamente a qualidade ou a precisão das mesmas, resultando numa estrutura altamente dinâmica mas pouco otimizada.

A transição para a segunda fase marca o início daquilo que o estudo identifica como a adolescência alargada, um período que começa aos 9 anos e se estende até aos 32 anos. Esta é, talvez, a descoberta mais surpreendente e impactante de toda a investigação. Em vez de terminar aos 18 ou 21 anos, a biologia cerebral sugere que a juventude neural persiste durante a terceira década de vida. Durante este longo intervalo temporal, o cérebro atinge o seu pico absoluto de eficiência elástica. É a época dourada em que as novas conexões sinápticas são formadas com maior facilidade, rapidez e robustez. O cérebro encontra-se num estado altamente maleável, adaptável e pronto para absorver novas competências, linguagens e informações complexas. Contudo, esta plasticidade extraordinária acarreta um custo significativo. O estudo nota que é precisamente durante esta época adolescente estendida que existe a maior probabilidade estatística de início de perturbações mentais graves, como a esquizofrenia, a bipolaridade ou distúrbios de ansiedade severos. A mesma abertura estrutural que permite uma aprendizagem rápida e uma adaptação ao meio também pode deixar o sistema nervoso vulnerável a disfunções na regulação emocional e cognitiva, uma vez que as redes ainda estão em processo de consolidação e fecho.

Apenas após os 32 anos é que se entra na terceira fase, que o estudo classifica como a verdadeira idade adulta neurológica. Esta é a mais longa das épocas identificadas, estendendo-se até aos 66 anos. Com a entrada nesta fase, a eficiência vertiginosa e a plasticidade radical da adolescência abrandam significativamente. O cérebro sai do modo de exploração e entra num modo de estabilidade e manutenção. Já não procura mudar radicalmente a sua estrutura a cada nova experiência vivida; em vez disso, dedica-se a consolidar o que já sabe e a otimizar as rotas existentes. É um período de velocidade de cruzeiro, onde a estabilidade máxima é a norma e o objetivo biológico. Embora a capacidade de formar novas conexões do zero diminua, a robustez e a fiabilidade das redes existentes atingem o seu auge, permitindo um funcionamento consistente e previsível. Posteriormente, a entrada na quarta idade, que vai dos 66 aos 83 anos, traz mudanças estruturais visíveis e inevitáveis. Os padrões de conectividade dentro do cérebro começam a alterar-se novamente, entrando numa fase de envelhecimento precoce. Curiosamente, a investigação mostra que algumas regiões começam a interoperar de forma mais estreita e rígida, mas o cérebro como um todo pode começar a operar de forma menos coesa e integrada. É uma fase de transição delicada onde a integridade das redes neurais começa a ser desafiada pelo tempo. Estatisticamente, é também neste período que as demências e os problemas sistémicos, como doenças cardiovasculares com impacto neurológico direto, têm maior probabilidade de começar a manifestar-se clinicamente. Finalmente, a última época identificada, o envelhecimento tardio, ocorre dos 83 anos em diante e é semelhante à fase anterior, mas caracterizada por uma aceleração notável dos processos degenerativos, marcando a fase final do ciclo de vida cerebral.

Para traduzir estes dados complexos e abstratos em conceitos compreensíveis para o público geral, Luís Goicouria, um doutorado e investigador sénior na área, que não esteve diretamente envolvido no estudo mas analisou os seus resultados, ofereceu uma analogia visualmente rica e esclarecedora. Ele sugere que imaginemos o cérebro não como um computador estático de circuitos fixos, mas como uma rede dinâmica ou uma superfície topográfica, semelhante a uma colcha ou um edredão com relevo. Nesta metáfora, devemos visualizar uma bola a rolar sobre essa superfície, onde a bola representa a nossa atenção, o nosso foco ou a nossa cognição em tempo real. Nesta colcha imaginária, existem diversos bolsos, depressões ou vales onde a bola pode cair ou repousar momentaneamente. Estes bolsos representam, essencialmente, as diferentes regiões do cérebro ou as redes locais associadas a funções específicas, como a linguagem, a memória ou o controlo motor. O estudo de Cambridge foca-se na análise de propriedades de rede complexas como a integração, a segregação e a centralidade. Utilizando a analogia de Goicouria, a integração refere-se a quão facilmente a bola viaja entre os diferentes bolsos; a segregação diz respeito a quão profundos, definidos e distintos são esses bolsos uns dos outros; e a centralidade identifica quais os bolsos que funcionam como cruzamentos chave ou rotundas no tráfego da informação. O que muda drasticamente ao longo das cinco épocas descritas é a paisagem física desta colcha. Durante a adolescência alargada, até aos 32 anos, a topografia permite que a bola viaje com incrível facilidade e velocidade entre os bolsos, indicando uma alta integração e eficiência global. Já na idade adulta, os bolsos tendem a tornar-se mais profundos e definidos, promovendo a especialização e a estabilidade, por vezes em detrimento da velocidade de transferência global entre áreas distantes.

Um ponto absolutamente crucial levantado pela análise dos dados é a distinção necessária entre eficiência cerebral e inteligência propriamente dita. Embora o estudo conclua inequivocamente que o cérebro adolescente, entre os 9 e os 32 anos, é mais eficiente em termos de plasticidade, formação de conexões e caminhos curtos de informação do que o cérebro adulto, isso não significa necessariamente que os jovens ou jovens adultos sejam mais inteligentes ou pensem num nível superior aos seus pares mais velhos. A eficiência global, neste contexto neurocientífico, refere-se à existência de caminhos curtos e rápidos para a transferência de dados brutos. No entanto, a clareza de pensamento, o julgamento ponderado e a sabedoria envolvem muito mais do que apenas a velocidade de transmissão neuronal. Como explicou Goicouria, à medida que envelhecemos e atravessamos a fase de estabilidade adulta, desenvolvemos e aprimoramos a chamada inteligência cristalizada. Esta forma de inteligência, que é baseada na acumulação paciente de conhecimento, na experiência vivida, no vocabulário expandido e na compreensão de padrões complexos, tende a melhorar com a idade e ajuda a dar sentido ao mundo de uma forma que a pura eficiência de processamento não consegue. O investigador salienta um detalhe fascinante: embora exista uma associação positiva entre a eficiência global e a inteligência nas crianças, em indivíduos idosos a relação inverte-se, verificando-se uma associação negativa entre a eficiência global e os défices cognitivos. Isto sugere que a perda dessa eficiência na velhice está ligada ao declínio, mas a sua presença na juventude é apenas uma parte da equação complexa que compõe a inteligência humana.

A extensão da adolescência até aos 32 anos levanta também questões interessantes e debates quando comparada com outras pesquisas neurocientíficas anteriores. Estudos passados focaram-se frequentemente no desenvolvimento específico do córtex pré-frontal, a área do cérebro responsável pelo planeamento, tomada de decisão, controlo de impulsos e moderação do comportamento social, sugerindo que esta área amadurece completamente por volta dos 25 anos. O facto de o novo estudo de Cambridge não abordar especificamente a maturação isolada da função executiva, mas sim a rede global, foi notado pelos especialistas. Levanta-se a questão sobre se a função executiva, que supostamente melhora durante a casa dos vinte anos, não deveria ter efeitos de rede amplos suficientes para definir a sua própria época. Especula-se que esta maturação possa estar incorporada na transição gradual entre a segunda e a terceira época, mas a definição do corte cronológico aos 32 anos sugere que a maturidade cerebral é um conceito multifacetado e sistémico, onde a estabilidade da rede neuronal global pode ocorrer vários anos depois da maturação de áreas locais específicas como o córtex pré-frontal. Isto indica que, embora possamos ter a capacidade de controlo de impulsos aos 25 anos, a integração total dessa capacidade na rede estável do cérebro demora mais tempo a consolidar-se.

Para além das teorias académicas e dos debates sobre a definição de inteligência, estas descobertas têm aplicações práticas imediatas e profundas, particularmente no campo da medicina e da cirurgia. A Dra. Angela Bohnen, uma neurocirurgiã experiente que comentou os resultados, acolheu o estudo como uma validação científica rigorosa daquilo que os cirurgiões observam empiricamente na prática clínica diária. A capacidade do cérebro para a recuperação após um trauma cirúrgico muda dramaticamente ao longo da vida, e compreender estas épocas é vital para o prognóstico. Para um cirurgião, saber em que época de desenvolvimento o cérebro do paciente se encontra é uma ferramenta essencial para planear procedimentos complexos e gerir as expectativas de recuperação da família e do doente. Por exemplo, na infância e até aos 9 anos, a neuroplasticidade é extremada e quase milagrosa. As crianças possuem uma rede neural multi-hub que lhes permite recuperar de cirurgias invasivas, como a remoção de tumores cerebrais, com uma rapidez e uma capacidade de reorganização funcional que seria impossível num adulto. Bohnen refere também que observa operações com resultados ótimos e convalescenças muito mais suaves e previsíveis em pacientes por volta dos 32 anos, o que corrobora a ideia do estudo de que este é um ponto de viragem para a estabilidade biológica máxima.

Inversamente, o estudo sublinha a necessidade urgente de desenvolver novas técnicas cirúrgicas e estratégias de reabilitação personalizadas para pacientes acima dos 66 anos. Nestes casos, a menor plasticidade natural e a mudança nos padrões de interoperação cerebral exigem tempos de recuperação mais longos, cuidados pós-operatórios mais intensivos e abordagens cirúrgicas mais conservadoras. A utilização de informações detalhadas sobre as fases de desenvolvimento do cérebro permite que os investigadores e médicos desenhem cirurgias que sejam biologicamente adequadas para um homem idoso, em contraste com as técnicas usadas para um jovem. Isto aponta para o futuro de uma medicina personalizada baseada não apenas na patologia, mas na idade biológica e na fase de desenvolvimento da rede neuronal do paciente. A cirurgiã nota ainda que, devido à aceleração do declínio na quinta época, pessoas acima dos 83 anos não são tipicamente consideradas candidatas ideais para neurocirurgias complexas, uma decisão que agora encontra um respaldo ainda mais forte na evidência da fragilidade das redes neurais nessa fase da vida.

Em última análise, este estudo inovador da Universidade de Cambridge convida toda a sociedade a repensar a cronologia e a narrativa da vida humana. A ideia de que somos adultos completos e acabados aos 18 ou 21 anos pode ser válida e necessária para fins legais e cívicos, mas biologicamente, os nossos cérebros continuam numa jornada de desenvolvimento dinâmico, adaptação e alta plasticidade até bem dentro da nossa terceira década de vida. Reconhecer cientificamente que a adolescência cerebral dura até aos 30 anos pode ajudar a sociedade a cultivar uma maior paciência e compreensão para com os jovens adultos que ainda navegam as complexidades da regulação emocional, da carreira e da tomada de decisões vitais. Simultaneamente, compreender que a estabilidade cognitiva máxima chega entre os 30 e os 60 anos oferece uma perspetiva nova e valorizadora da meia-idade, não como o início do fim ou um declínio, mas como o auge da robustez mental e da competência. À medida que a ciência continua a mapear os territórios desconhecidos da mente humana com tecnologias cada vez mais avançadas, torna-se claro que o envelhecimento não é um declínio linear simples, mas uma série de transformações complexas e qualitativas, cada uma com os seus próprios desafios, vantagens e belezas. Este estudo representa um passo fundamental para desvendar os mistérios de como nos tornamos quem somos e como podemos cuidar melhor do nosso órgão mais vital e misterioso em cada etapa da longa jornada da vida.

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