Um estudo recente sugere que não são apenas os antibióticos que podem alterar de forma duradoura a microbiota intestinal: outros fármacos muito prescritos, como antidepressivos, betabloqueadores, inibidores da bomba de protões e benzodiazepinas, também podem deixar marcas profundas no ecossistema microbiano do intestino e afetar a sua composição muitos anos após o uso.
Os investigadores analisaram dados de 2 509 adultos incluídos numa coorte da Biobank da Estónia. Cada participante forneceu amostras de fezes que foram submetidas a sequenciação de metagenómica, permitindo identificar com precisão as bactérias presentes no intestino. Além disso, os investigadores cruzaram essas informações com os registos médicos eletrónicos dos participantes para saber que medicamentos tinham tomado ao longo dos anos.
Dos 186 fármacos avaliados, 167 mostraram impacto sobre a microbiota intestinal de alguma forma, e 78 mantinham esse impacto a longo prazo. Entre os medicamentos com efeitos mais notórios encontraram-se, além dos antibióticos, os antidepressivos, os antipsicóticos, os betabloqueadores, a metformina (um antidiabético), os inibidores da bomba de protões e as benzodiazepinas.
Um dado particularmente preocupante é que os efeitos sobre a microbiota parecem acumular-se com o tempo. Quanto mais tempo e mais tipos de medicamentos as pessoas tomaram, maior foi a alteração na composição do ecossistema bacteriano intestinal. No caso das benzodiazepinas (usadas para ansiedade ou insónias) os efeitos negativos foram especialmente fortes, sendo que algumas destas substâncias têm impacto mais duradouro do que outras dentro da mesma classe.
Os autores do estudo salientaram que, mesmo medicamentos tomados há muito tempo, podem deixar uma “impressão” persistente na microbiota. Essa marca pode variar de pessoa para pessoa, porque o efeito não é igual para todos os fármacos dentro da mesma classe nem para todos os indivíduos. Por exemplo, no caso das benzodiazepinas, verificou-se que o alprazolam (frequente em ansiolíticos de “ação rápida”) teve impacto muito mais amplo na microbiota comparado com o diazepam.
Os mecanismos por detrás dessas alterações também foram discutidos. No caso dos betabloqueadores e das benzodiazepinas, pode haver uma influência sobre a motilidade intestinal (ou seja, a velocidade com que o intestino processa os alimentos), o que altera o ambiente onde as bactérias vivem. Já os inibidores da bomba de protões (PPIs), usados para refluxo ou úlceras, elevam o pH do estômago e reduzem a acidez gástrica, removendo uma das barreiras naturais que controlam o crescimento de certas bactérias potencialmente problemáticas.
Os investigadores advertem que, apesar da forte correlação identificada, este estudo não foi um ensaio controlado. Há muitas variáveis que não podem ser totalmente controladas, como a dieta, o ambiente ou o local geográfico, algo que torna difícil afirmar com certeza que todas as alterações verificadas na microbiota foram causadas diretamente pelos medicamentos.
Contudo, o estudo tem implicações importantes. Uma delas é que, no futuro, ao escolher entre fármacos com efeitos semelhantes, os médicos podem ponderar não só a eficácia, mas também o impacto potencial desses fármacos na microbiota intestinal. Se existirem alternativas com menor impacto microbiano, poderiam preferi-las para preservar a saúde intestinal a longo prazo.
Quanto a estratégias para minimizar os efeitos negativos, os investigadores recomendam seguir exatamente as prescrições médicas, tomando os medicamentos apenas pelo tempo necessário. No caso das benzodiazepinas, defendem que o uso prolongado deve ser evitado, por causa do risco de dependência e do impacto na microbiota. Para quem toma inibidores da bomba de protões, sugerem que se avalie periodicamente (por exemplo, a cada dois meses) a necessidade de continuar com o tratamento e, se possível, fazer uma desmama gradual.
Também se recomenda adotar hábitos saudáveis para preservar a saúde intestinal: seguir uma dieta rica em fibra, evitar consumo excessivo de carne processada, praticar exercício físico regularmente e optar por alimentos menos processados pode ajudar a mitigar o impacto dos medicamentos. O equilíbrio da microbiota também pode beneficiar de um estilo de vida saudável, com atenção à alimentação e ao movimento.
Em resumo, este estudo lança um alerta importante: muitas das substâncias que usamos com frequência para tratar problemas médicos comuns podem alterar o nosso microbioma intestinal de forma duradoura. Isso não significa que devamos deixar de tomar medicamentos prescritos, mas sim que devemos estar conscientes desses impactos e trabalhar com os médicos para equilibrar os benefícios terapêuticos com a preservação da saúde intestinal. Com mais investigação e uma abordagem mais informada, pode-se reduzir o risco de consequências indesejadas no microbioma.